Quando conversamos sobre ureia na nutrição de bovinos, entre pecuaristas ou mesmo entre técnicos que trabalham com nutrição, percebemos distintas reações que vão desde a descrença, passando por receio e é claro, encontramos também uma grande parcela de entusiastas, que com certeza já dominam a utilização deste nutriente como fonte suplementar de proteína na dieta. Por isso, resolvemos trazer este tema, com a intensão de ampliar a discussão e o entendimento entre os leitores da Revista PecuariaSul.
No entanto, antes de falarmos sobre os aspectos nutricionais da ureia, é importante que tenhamos uma visão mais ampla, inclusive sobre seu processo de fabricação.
BREVE HISTÓRICO
A molécula da ureia foi descoberta ainda no século XVIII, mas foi apenas em 1828 que o químico alemão Friedrich Wöhler conseguiu sintetizá-la em laboratório. Porém, o real entendimento de seus aspectos nutricionais em bovinos ocorreu já no século XX, durante a década de 30 nos Estados Unidos e em 1940 sua utilização foi aprovada pela AAFCO (Association of American Feed Control Officials).
Contudo, a utilização comercial da ureia na dieta dos bovinos teve um avanço extremamente lento, pois trouxe consigo os problemas de intoxicação que conhecemos e que causam receio nos pecuaristas até os dias de hoje. É claro que vamos falar mais sobre isso na sequência deste artigo!
PRODUÇÃO DE UREIA
A produção de ureia está estreitamente atrelada a produção de petróleo. Pois o gás natural (um dos derivados do petróleo) é o principal componente energético deste processo. Para fabricar a ureia é necessário primeiro produzir a amônia, que é obtida a partir da mistura de vapor d’água, nitrogênio (capturado do ar por enormes compressores) e principalmente gás natural.
Num segundo momento a amônia recebe gás carbônico, proveniente da queima do gás natural, para só então se transformar em ureia. Esta ureia é distribuída, ainda na fase líquida no alto de uma torre, encontra o ar em contracorrente e chega na pilha já em estado sólido.
UREIA FERTILIZANTE OU GRANULADA
A ureia é o principal fertilizante nitrogenado utilizado na agricultura brasileira. A concentração de nitrogênio (N) da ureia fica entre 44 e 46%. Este produto tem uma alta tendência higroscópica (tende a absorver umidade do ar) e se solubiliza com facilidade. Por isso, toda a ureia destinada a agricultura passa por um processo de endurecimento do grão, onde o produto recebe a adição de um composto químico que contém principalmente o formol e o polivinilacetato (PVA), com o objetivo de que este produto suporte um maior tempo de armazenagem e de mistura com outros minerais (NPK). Além disso, a dureza e a resistência do grão também influi consideravelmente para um melhor comportamento na aplicação e para uma solubilização mais lenta do nitrogênio, aumentando seu aproveitamento pelas plantas.
UREIA INDUSTRIAL
São inúmeras as utilizações industriais da ureia. Entre os exemplos, este produto é utilizado como matéria prima na indústria de móveis, na indústria têxtil, na indústria automotiva, na produção do ARLA (Agente Redutor Líquido Automotivo), que serve para reduzir a emissão de poluentes dos motores a diesel e até mesmo na indústria cosmética. A ureia industrial é comercializada na sua forma ou granulometria natural, também chamada de ureia perolada ou ureia prill e não passa pela adição de outros componentes assim como a ureia pecuária.
UREIA PECUÁRIA
A ureia destinada para a alimentação dos bovinos precisa ter seu grau de pureza comprovado e documentação específica emitida pelo MAPA (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento). Trata-se de uma matéria prima destinada a indústria de alimentação animal e por isto, não pode conter contaminantes ou resíduos tóxicos. O padrão granulométrico da ureia pecuária segue o padrão original da ureia sem aditivos (ureia perolada ou ureia prill).
VALOR NUTRICIONAL
Partindo do básico, devemos entender que a utilização de ureia na alimentação de bovinos tem o objetivo específico de suplementar PROTEÍNA. Sim, a ureia chega no rúmen e é transformada em proteína pela flora ruminal, a chamada proteína microbiana. Impossível não ficar impressionado com a capacidade que tem os bovinos de produzir proteína e transformá-la em carne, utilizando compostos que seriam tóxicos para os monogástricos.
A ureia também é chamada de Nitrogênio Não Proteico (NNP) pelos nutricionistas e isso significa dizer que se trata de um composto químico precursor de proteína e não de um composto de aminoácidos como na proteína presente no pasto ou nos grãos, chamada de proteína verdadeira.
Da mesma maneira que avaliamos os alimentos quanto ao seu nível de proteína, devemos entender o quanto de proteína a ureia produz no rúmen para fins de comparação. Na prática, cada ponto percentual de nitrogênio (N) presente na ureia, deve se transformar em 6,25 pontos percentuais de proteína na dieta. Isso significa dizer que 100 gramas de ureia equivalem a 281 gramas de proteína bruta na dieta (Ureia 45% de N X 6,25 = 281,25). Enquanto isso, as mesmas 100 gramas de farelo de soja (um dos ingredientes mais proteicos disponíveis) aportam apenas 46 gramas de proteína bruta na dieta.
PONTOS DE ATENÇÃO
Nem tudo são flores quando se fala em ureia para bovinos! Quem chegou até aqui já deve ter percebido que a ureia possui alta solubilidade, que aliada à sua alta concentração de nitrogênio pode se tornar tóxica se ingerida em quantidade maior do que a capacidade que as bactérias do rúmen têm de degradar (transformar em proteína) este produto.
Por isso, a adaptação dos animais é sem dúvida o ponto chave do sucesso e deve levar pelo menos 15 dias com a oferta sendo aumentada gradativamente em duas ou até três etapas, para que as bactérias responsáveis por este serviço tenham tempo de se multiplicar com o passar dos dias. Ainda assim, é importante ressaltar que o fornecimento de ureia deve ocorrer de maneira suplementar, melhorando a qualidade proteica da dieta como um todo e não como principal fonte de proteína.
A ureia pode ser fornecida misturada ao sal mineral, na ração ou mesmo na mistura de dieta total juntamente com o volumoso. No entanto, jamais deve ser fornecida pura. A quantidade máxima de ureia indicada na dieta pode variar em função da maneira como ela é oferecida, pois é mais seguro suplementar doses mais altas de ureia numa mistura total da dieta com volumoso e concentrado, do que num suplemento mineral fornecido num cocho por exemplo, onde os animais podem consumir maior quantidade deste produto conforme sua avidez.
De maneira geral, não é indicado que se utilize dosagens maiores que 40 gramas de ureia para cada 100 Kg de peso vivo e também é importante trabalhar com um limite de 200 gramas mesmo para animais muito pesados.
Os cochos devem ser cobertos e se possível com drenos para evitar acúmulo de água, lembrando que a ureia é muito solúvel e o animal pode acabar bebendo água empossada no cocho e se intoxicar.
A indicação de uso não exclui animais jovens, desde que já tenham seu rúmen funcionando.
Neste sentido, também é importante lembrar que a ureia causa intoxicação nos monogástricos e por isso, deve-se ter cuidado principalmente que os equinos não tenham acesso.
POSSO UTILIZAR UREIA AGRÍCOLA NA NUTRIÇÃO DOS BOVINOS?
Esse é um questionamento muito comum entre pecuaristas e até mesmo entre profissionais que trabalham com nutrição, pois a ureia agrícola é geralmente mais barata que a ureia pecuária por conta de sua escala de produção e maior oferta por consequência. No entanto, a resposta é NÃO! É proibido! E tem um motivo claro para isso. Você que leu esse artigo já sabe. A ureia agrícola contém FORMOL e PVA, que são tóxicos, cancerígenos e deixam resíduos na carne e vísceras. Por isso, fique atento a origem da ureia que seu gado está consumindo!
Texto: Equipe PecuariaSul