A Leptospirose é a doença infecciosa zoonótica de maior ocorrência no mundo todo, prevalente principalmente em regiões tropicais e subtropicais, onde o clima úmido e as mudanças de temperatura favorecem a propagação do agente no ambiente. O Brasil, por ser um país de clima diverso, possui regiões endêmicas para a Leptospirose, que pode se tornar epidêmica em períodos chuvosos.
Recentemente, o estado do Rio Grande do Sul sofreu com intensas alterações climáticas, com a ocorrência de chuvas torrenciais, cheias de rios e enchentes em grande parte do território, condições que favorecem a contaminação e disseminação da Leptospirose em diversas espécies de animais, incluindo seres humanos.
Diante do cenário atual enfrentado pelos produtores, o desafio intensificou-se, pois os bovinos são uma das mais importantes espécies de produção acometidas pela Leptospirose. Os estados da Região Sul do país têm um papel significativo na produção de carne bovina no Brasil, de forma que as manifestações clínicas da doença afetam os índices reprodutivos e produtivos do plantel da fazenda, o que pode causar um impacto profundo na economia do Brasil.
O que é a Leptospirose?
Leptospirose é uma doença infectocontagiosa causada por bactérias do tipo espiroqueta do gênero Leptospira spp. Pode acometer animais domésticos, silvestres e seres humanos. Existem diversos sorovares (variantes sorológicas) de Leptospira, mas os mais comuns em bovinos são Hardjo e Wolfii.
A transmissão da bactéria em propriedades normalmente ocorre por meio do contato de lesões de pele ou mucosas (comumente oral) com a urina de roedores, principais transmissores da doença. Ressalta-se que outros mamíferos, inclusive os próprios bovinos, podem ser também transmissores da leptospirose.
Como ocorre o ciclo da Leptospira?
A bactéria Leptospira penetra no organismo através da pele ou mucosa oral, desenvolvendo uma fase inicial de bacteremia (leptospiremia) com replicação do agente na corrente sanguínea, espalhando-se diversos órgãos. Após a intensificação da resposta imune, as leptospiras normalmente se alojam locais protegidos, como rins e o trato genital, persistindo por longos períodos e assim favorecendo a eliminação e contaminação do ambiente e para outros animais. A essa fase, dá-se o nome de leptospiremia.
Como ocorre a transmissão?
A Leptospirose pode ser transmitida entre a mesma espécie animal ou entre espécies diferentes. Logo, o animal doente, mesmo que não apresente sintomas, pode transmitir a outros animais sem distinção de idade ou sexo.
Animais contaminados eliminam Leptospira spp. em secreções e tecidos, como urina, descargas cervicovaginais, sêmen, fetos abortados e placenta. Esses materiais contribuem para a dispersão indireta da doença no plantel. Além disso, o contato com a bactéria no ambiente contaminado (fontes de água e alimentos, em especial) também pode ser uma forma importante de transmissão.
O sêmen de machos infectados, seja por monta natural ou por inseminação artificial, é uma via de transmissão direta. Além disso, a bactéria também pode estar presente no trato genital da fêmea, e dessa forma a contaminação pode ocorrer entre ambos os sexos (fêmea-macho ou macho-fêmea).
Quais são as principais formas clínicas da doença e consequências da infecção?
A infecção por bactérias do gênero Leptospira spp. podem levar a subfertilidade ou infertilidade em matrizes bovinas. A partir da infecção, podem ocorrer duas formas clínicas da doença, a subclínica e a crônica.
A forma subclínica geralmente ocorre em vacas prenhas e não lactantes, caracterizando-se pela ausência de sintomas. O fato de ser assintomático, não impede que esses animais continuem eliminando bactérias e contaminando o ambiente.
Na forma crônica, as vacas podem apresentar sinais clínicos. Dentre os mais importantes são os reprodutivos (retornos de estro, reabsorção embrionária, mumificação fetal e abortos), febre, hematúria (urina de coloração avermelhada). Retenção de placenta, natimortos e nascimento de crias fracas (síndrome do bezerro fraco) são também manifestações que são passíveis de serem observadas. Esses problemas podem levar à diminuição da eficiência reprodutiva do rebanho e dessa forma, gerar prejuízos econômicos ao produtor.
Riscos associados à Resteva de Arroz
A resteva de arroz é muito utilizada no Rio Grande do Sul na alimentação de bovinos, como uma alternativa para manter o escore corporal durante a entressafra e no período de vazio forrageiro. No entanto, as chances de contaminação por leptospirose aumentam significativamente, pois essas áreas alagadiças, onde os solos apresentam alta umidade com pH próximo a neutralidade (7,2 a 7,4), propicia sobrevivência de bactérias do gênero Leptospira. Além disso, são locais de habitat perfeitos para roedores, os principais transmissores da doença.
Controle e profilaxia
Ao notar sinais de leptospirose, o produtor deve consultar um médico veterinário, para que se possa proceder a confirmação (ou descarte) da doença no rebanho. Recomenda-se a utilização de sorologia, técnica que permite a identificação do(s) sorovar(es) reagentes. A identificação precisa do sorovar pode contribuir para tomadas de decisão, tais como a implementação de vacina no rebanho (manejo sempre recomendado), redução no intervalo de vacinação em rebanhos já vacinados e, também, identificação de sorovares que não compões as vacinas. Esse último exemplo, pode gerar alertas de sorovares circulantes e necessidade de remodelamento da composição de vacinas. É importante ressaltar que a sorologia não traz distinção entre anticorpos vacinais e os gerados a partir da infecção, ou seja, os sinais clínicos sempre devem ser associados a suspeita e não apenas o resultado de uma sorologia.
Se houver o diagnóstico confirmado de leptospirose nos animais, o médico veterinário é responsável pelo estabelecimento de um protocolo terapêutico. Normalmente o tratamento envolve o uso de antibióticos como o sulfato de estreptomicina e de dihidroestreptomicina, penicilina, oxitetraciclina entre outros. O tratamento de animais positivos é essencial pois, além de reestabelecer a saúde reprodutiva das matrizes, propicia a redução do número de animais portadores.
De modo geral, o calendário sanitário da atividade pecuária deve incluir medidas de controle da leptospirose. Tais medidas incluem o uso de vacinas, realização de exames para verificar o status sanitário dos rebanhos, e medidas gerais de controle de roedores.
Conclusão
Monitorar continuamente a saúde dos rebanhos e garantir a implementação de programas de controle da leptospirose e vacinação são essenciais para reduzir a incidência da doença. Para isso, é fundamental conhecermos as principais características da leptospirose em bovinos, para que as estratégias de controle adotadas por produtores e veterinários auxiliem a minimizar os impactos da doença na pecuária brasileira.
Referências:
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