Recent News

El Mate – Ganadería Regenerativa

Em janeiro desse ano fomos até a Argentina para conhecer a El Mate Ganadería Regenerativa, propriedade localizada no município de Adelia María, no sul da província de Córdoba, para conhecermos um sistema de produção que com certeza nos trás inúmeros pontos de reflexão e aplicabilidade.

Para quem não lembra, esta não é nossa primeira matéria sobre Pecuária Regenerativa (e com certeza não será a última). Por isso, convidamos também para a leitura (ou releitura) do texto sobre a Fazenda São Miguel, no município de Mostardas/RS, na quinta edição da Revista PecuariaSul.

Na El Mate fomos recebidos pelos administradores da propriedade, Bruno e Federico Vasquetto, pessoas apaixonadas pelo que fazem e que carregam uma grande bagagem de estudo e experiência sobre o tema. Acompanhe toda a nossa matéria!

El Mate Ganadería Regenerativa é uma empresa familiar, de aproximadamente 330 hectares que até 2012 trabalhava basicamente com agricultura de cultivo convencional. No entanto, um contexto de alguns anos de baixa produtividade e de preços ruins levaram a busca por alternativas à atividade agrícola, pois, a cada ano que passava, percebia-se o esgotamento do solo e a crescente dependência de insumos cada vez mais caros.

Estes motivos foram suficientes para que “cabeças abertas” repensassem o sistema na busca de outras maneiras de se produzir mais e de maneira sustentável. Esta busca os levou a conhecer o Agrônomo brasileiro Luiz Carlos Pinheiro Machado e seu trabalho com o Pastoreio Racional Voisin. A assessoria de Pinheiro Machado mudou o rumo da El Mate para a produção pecuária.

MANEJO REGENERATIVO

Com o passar do tempo, outras técnicas e ferramentas foram se somando ao pastoreio Voisin, como agroecologia, manejo holístico e pastoreios de alta e ultra densidade, chegando no que se conhece atualmente por Manejo Regenerativo. “Estamos fazendo um combo de tudo que envolve a pecuária regenerativa, trabalhando com ferramentas de todos os sistemas” – comenta Bruno.

Mas o que é Manejo Regenerativo? Para responder esta pergunta faremos uma pequena parada técnica em nossa viajem pela El Mate.

Pois bem, trata-se de um modelo de produção que visa otimizar a utilização dos recursos naturais, principalmente através da melhora da atividade microbiana e da condição de vida do solo. O Manejo Regenerativo já é uma tendência mundial, amplamente estudada e aplicada tanto na produção agrícola, quanto na produção animal ou, melhor ainda, na interação entre ambas.

Na pecuária de corte, o manejo regenerativo apresenta viabilidade na grande maioria dos sistemas de produção, independentemente de seu tamanho ou volume. Não possui nenhum pacote tecnológico complexo ou mesmo requer altos investimentos iniciais, mas sim, uma profunda mudança cultural do pecuarista e de seus colaboradores, no que tange ao manejo de áreas piqueteadas e com alta densidade de carga animal, cercas elétricas e água. Tudo isso, utilizando uma gestão holística do sistema, decidindo e manejando sobre as áreas de maior potencial para o momento e não sobre um plano de rotação contínuo.

A sustentabilidade vem do manejo correto que proporciona, em primeiro plano, um incremento impactante no ganho por área. Ao mesmo tempo, ocorre uma progressiva redução na necessidade de fertilização, em função dos altos volumes de esterco e urina (nutrientes) que o próprio bovino deixa no solo através da alta carga animal instantânea. Além disso, a produção de pasto é otimizada pela colheita não seletiva do mesmo que precede um período de recuperação adequado da área – Efeito Roçadeira.

PRODUÇÃO DE NOVILHOS TIPO EXPORTAÇÃO

De volta à El Mate, começaremos expondo sua produção pecuária, nos já mencionados 330 hectares de área total. Atualmente são recriados e terminados cerca de 700 novilhos Angus e cruzas, de tamanho moderado e com peso e acabamento adequados à exportação.

O ciclo de produção dos bovinos gira em torno de um ano. No outono, entre março e abril se adquirem terneiros pesados (média de 250-260 kg). Esses animais são recriados e terminados a pasto, e são vendidos para o abate entre fevereiro e abril, com peso vivo médio entre 480-500kg. Todos destinados à exportação e com certificações Grassfeed e EOV (Ecological Outcome Verification), buscando melhor valorização do produto no mercado.

O objetivo de ganho médio diário de peso é de 600 gramas (média anual). Os animais não passam mais de um ano dentro da propriedade. Os animais são manejados em parcelas de 0,7 a 1 hectare com a utilização de cerca elétrica. As trocas de parcelas são feitas diariamente, ou mesmo duas vezes ao dia em períodos de alta oferta de pasto.

Na El Mate o acesso a sombra em dias de calor é um cuidado importante. Os animais têm acesso a área social com sombra e água onde permanecem nas horas de maior calor, retornando à parcela nas horas de temperatura mais amena.

A água é fornecida através de bebedouros redondos de concreto que servem quatro parcelas cada um. Segundo Federico, a água na parcela não é obrigatória nestes sistemas de produção, no entanto são importantes os benefícios do bebedouro na área que está sendo pastejada, como o maior acúmulo de fezes e urina na parcela, redução drástica na concorrência para beber e evidentemente um menor gasto energético.

As trocas de parcela são realizadas através da lei do descanso, o retorno do pastoreio na parcela só é feito quando a planta já acumulou suas reservas nas raízes, este é um dos pontos fundamentais no manejo da pecuária regenerativa.

O tempo de retorno à parcela pode variar muito durante o ano e depende das condições de desenvolvimento das forrageiras, de maneira mais específica, pode variar de menos de 30 dias durante um período de verão com chuva e sol em abundância, até 150 dias quando num período de inverno (dias curtos) e de fortes geadas.

A pecuária regenerativa tem uma grande resiliência, mesmo em anos complicados de seca ou anos de muita chuva. Há uma produção relativamente estável. No último ano foram produzidos 435 kg/peso vivo por hectare, exclusivamente a pasto. Obviamente que são excelentes pastos, mas chama a atenção um sistema de recria e principalmente terminação que não trabalha com nenhum tipo de suplementação, sequer sal comum.

Como nos disse Federico – “desde o início temos como objetivo produzir o máximo possível com o mínimo de insumos, o pasto vem através da água, ar, energia solar, adubação (esterco e urina) é somente saber administrar.

A missão da empresa sempre foi produzir de maneira rentável, economicamente viável, porque vivemos disso, mas que também gere impacto positivo na parte ambiental e na parte social.”

CONSTRUÇÃO DO SOLO E MIX FORRAGEIRO

Quando a empresa migrou da agricultura para a pecuária os campos estavam muito degradados. O solo da região é arenoso, com baixos níveis de argila, sendo a matéria orgânica o principal elemento do solo responsável pela retenção de nutrientes. Com o manejo regenerativo, esta matéria orgânica vem se acumulando a uma taxa de sete (7) ppm/ano, verificada através de constantes análises de solo.

Haviam muitos processos de erosões e uma ineficiência da utilização das chuvas, o que também mudou, hoje o solo tem uma alta capacidade de infiltração e retenção de água.

Ao iniciar no sistema regenerativo foram implantadas várias espécies forrageiras, na verdade um consórcio de pastagens com base em alfafa, mais panicum coloratum, chicória e forrageiras de inverno como festuca, cevadilha e cornichão. Atualmente percebe-se uma propagação de espécies nativas, naturalmente estimuladas, com potencial de produção de biomassa igual ou melhor que as implantadas e que compõe um consistente mix forrageiro característico da pecuária regenerativa.

Para Bruno – “o principal insumo da pecuária regenerativa é a paciência, temos que ter em conta que são processos lentos, não é de um dia para o outro, isto é a natureza. Não são todos os campos que respondem da mesma maneira”.

O bovino tem um papel muito importante no melhoramento do solo, através da excreta, do pisoteio, da inoculação das bactérias do rúmen no solo. “Os ruminantes são uma excelente ferramenta para regenerar os ambientes, é só saber manejá-los” – comenta Federico.

CAPTADORES DE CARBONO

A produção pecuária é um tema que está mundialmente em alta. Infelizmente ressaltando-se aspectos negativos relacionados a produção de metano e o aquecimento global.

É fato que se analisarmos os bovinos isoladamente vamos encontrar uma alta produção de metano devido ao processo fermentativo de digestão (ruminação) e transformação de pasto em carne ou mesmo leite. No entanto, quando analisamos o sistema como um todo, sistemas de alta produção de biomassa, verificamos que a retenção de carbono no solo é muito maior do que o carbono emitido pelos bovinos.

A chave está em como manejamos essa pastagem para maximizar a produção e o aproveitamento da biomassa (mitigadora de carbono).

Conforme nos explica Bruno (foto), o objetivo da pecuária regenerativa é que somos produtores de pasto, de biomassa, o que fazemos com esse pasto é um passo secundário. Primeiro temos que produzi-lo e depois converte-lo em leite, carne, lã, etc. Por isso a importância do solo. Há muito mais impacto econômico em olhar primeiro o solo e depois a vaca, isso irá permitir mais carga animal e mais quilos produzidos em cima.

O importante é ter um solo rico, saudável e biologicamente ativo. Anteriormente se usava muito o arado, ferramentas de lavrar, muitos insumos químicos como fungicidas e inseticidas, que quando não usados de maneira racional acabam reduzindo a capacidade biológica do solo e por consequência sua fertilidade.

O solo deve estar sempre coberto por um remanescente de pasto, para não haver incidência direta tanto de chuva, quanto de sol que tem efeito bactericida, levando a redução do microrganismos.

Nosso objetivo é ter um solo vivo, com boa disponibilidade de nutrientes e para isso precisamos de bactérias, fungos, minhocas, besouros e todos os organismos vivos que fomentamos através de nosso sistema.

A pecuária regenerativa nos parece a única solução de larga escala capaz de combater o aquecimento global, somente com o uso racional do solo e do pasto poderemos absorver esse excesso de carbono.

DIVERSIFICAÇÃO

El Mate iniciou com bovinos em 2012, sendo esta atividade a principal fonte de renda da empresa. Porém, com o passar dos anos, outras criações vêm ganhando espaço, como a produção de ovinos e avicultura de corte e postura, todos sob os pilares do sistema regenerativo e destinados ao mercado regional.

A produção de frangos de corte ocorre apenas durante os meses de clima mais ameno, evitando-se o forte calor do verão. Já a produção de ovos ocorre o ano inteiro, abastecendo clientes que tem preferência pelos produtos deste sistema de criação.

A produção de ovinos ocorre em módulos de piqueteamento proporcionalmente semelhantes ao sistema dos bovinos. São cerca de 400 matrizes para a produção de cordeiros para o abate e também para a comercialização de animais puros das raças Dorper e Texel.

Há cinco anos, a El Mate agrega uma outra parte importante em seus negócios, que são as capacitações realizadas através de visitas e cursos técnicos, onde são recebidas ao redor de 500 pessoas anualmente na propriedade, como produtores, técnicos e estudantes. Segundo nos confirma Bruno, é crescente o interesse sobre o tema regenerativo, não somente na Argentina, mas em todo o mundo. Além disso, também é crescente a demando por consultorias e participações em eventos.

TRANSFORMAÇÃO

Caminhando para o final deste artigo, gostaríamos de chamar a atenção de todos para uma importante reflexão – “Estamos vivendo um momento de transformação na pecuária de corte”. Obviamente, não podemos prever a velocidade com que as mudanças ocorrerão e tampouco o quão profundas e impactantes elas serão.

No entanto, os principais fatores de estímulo a esta transformação mais relevante já se encontram presentes nos dias atuais e é importante elencar alguns deles:

– Valorização sustentada da carne bovina nos últimos anos;

– Necessidade de incremento de produtividade em concorrência com a oportunidade da produção de grãos;

– Alto preço de insumos como suplementos e fertilizantes;

– Discussão sobre produção de bovinos por parte dos consumidores e com foco em sustentabilidade ambiental.

Os pontos mencionados acima são exemplos de macrotendências na produção de carne bovina e podem ser complementados com vários outros fatores precursores de mudanças, como a própria evolução cultural na gestão da pecuária de corte. Em função disso, resolvemos trazer uma abordagem sobre o Manejo Regenerativo, um conceito moderno de produção intensiva e a pasto, que pode contemplar positivamente uma grande parte dos pontos citados acima. Cabe ainda mencionar que não estamos tratando deste tema como especialistas e sim, no intuito de abordarmos um sistema de produção em que acreditamos muito, dentro de um contexto onde não existem soluções isoladas.

Para encerrar esta matéria sobre a pecuária regenerativa e o sistema de produção da El Mate, vamos colocar nas palavras do Federico (foto abaixo) alguns pontos de reflexão sobre o manejo regenerativo.

A pecuária regenerativa busca imitar a natureza – o efeito manada, muitos animais juntos e que pastoreiam num tempo curto e num espaço pequeno e depois vão se movendo permanentemente. Na natureza os animais se movimentam por conta própria, na pecuária regenerativa isso se dá através da cerca elétrica, a ferramenta mais revolucionária da história da pecuária. Através do piqueteamento com cerca elétrica podemos simular o efeito manada.

Para iniciar na pecuária regenerativa tem que sair da zona de conforto, quebrar paradigmas, desaprender e aprender novamente. O principal desafio é a mentalidade. Tem que planejar e projetar primeiro, as parcelas, a água, cercas, o pasto, depois de tudo armado chegam os animais, a atuação é a favor dos animais.

Temos condições climáticas para produzir quilos de carne de forma barata somente com pasto, através do uso eficiente do mesmo, isso aumenta nossa competitividade comparando-se a outros países e a outros sistemas de engorda.

O tema da pecuária regenerativa também é importante com relação ao bem-estar pessoal, por viver em harmonia com o ambiente, com a família, com os animais, com a natureza, não é uma produção tão industrial como os confinamentos e a agricultura. Na pecuária não ganha quem mais produz, mas quem produz mais eficiente com menos custos.”