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A CRIA PODE SE BENEFICIAR DA LAVOURA DE SOJA?

By 18 de setembro de 2024 No Comments

A base do sistema de produção de pecuária de corte é a fase de cria, pois se o terneiro não nascer e se desenvolver, não teremos os produtos finais do sistema que são os animais de abate e as futuras matrizes para a renovação do rebanho. Quando comparamos esta fase de produção com as demais, recria e terminação, podemos notar que a cria normalmente é a menos eficiente, uma vez que temos um percentual de matrizes que não emprenham, e desde o diagnóstico de prenhes até o desmame, ainda temos vários fatores que influenciam no número de terneiros desmamados.

Para uma vaca entrar em cio ela precisa estar bem alimentada e se ela estiver com cria ao pé a exigência nutricional aumenta ainda mais.

A Figura 1 mostra a ordem de prioridades fisiológicas de uma matriz que ainda esteja em crescimento e com cria ao pé, ou seja, primeiro o objetivo nutricional é a manutenção, depois produção de leite, crescimento, condição corporal e por último a reprodução. Com isso, o planejamento reprodutivo de um rebanho deve estar diretamente relacionado ao planejamento forrageiro. O momento de parição das vacas deve estar de acordo com o momento de maior oferta e qualidade de forragem visando suprir as necessidades nutricionais e obter a repetição de cria.

A lavoura de soja, neste sentido, pode ser uma aliada na intensificação dos sistemas de cria, entregando pastagens de inverno de excelente qualidade, desde que utilizando sementes de qualidade, que seja realizada a adubação da pastagem conforme recomendação e que a altura ideal de pastejo seja respeitada visando o melhor desempenho dos animais, e que ao final do ciclo entregue para a lavoura de verão uma melhor condição para o plantio.

Quando a base alimentar dos rebanhos é o campo nativo, mesmo que com um percentual de até 20-30% da propriedade com integração lavoura-pecuária (ILP), a primavera é o momento ideal para organizarmos o período de parição. Já em sistemas de ILP onde o percentual de lavoura de verão é superior aos 40-50% da área total da propriedade entendemos a necessidade de readequar o período de parição para o inverno, uma vez que, com a fertilização dessas pastagens, a maior oferta de forragem passa a ser neste período dentro da propriedade e o verão se torna um problema pela redução da área pastoril.

Porém, sabemos que a principal ferramenta para elevarmos a produtividade é o ajuste de carga animal. Aliado a isso, temos o diferimento e o melhoramento de campo nativo, e a fertilização das áreas de ILP no período do inverno. Tudo isso faz parte do planejamento forrageiro.

Em propriedades que estamos acompanhando a alguns anos identificamos que a partir do momento que ajustamos o planejamento forrageiro, podemos aumentar a quantidade de animais existentes, elevando, por consequência, a produtividade das propriedades.

Para exemplificar, apresentamos dois casos de propriedades que a partir da implantação da ILP e do planejamento forrageiro conjugado ao planejamento reprodutivo e financeiro obtiveram evolução nos seus índices de produtividade, aumentando a quantidade de matrizes em reprodução, o número de terneiros desmamados e o percentual de prenhes e de desmame. Ambas tinham a lavoura de soja como fonte de arrendamento, porém não tratavam a pastagem de inverno da forma como entendemos ser a verdadeira ILP.

No primeiro exemplo, iniciamos uma consultoria técnica continuada em uma propriedade com aproximadamente 1300 ha com 14% da área com soja/pastagem de inverno e o restante áreas de campo nativo. A composição do rebanho quando iniciamos a consultoria técnica, 354 matrizes, sendo 105 solteiras, 220 terneiros desmamados e 70 novilhas dois anos entrando em reprodução. O índice de prenhes daquele ano 64%, sendo que apenas 40% das vacas com cria ao pé repetiam cria.

Esse dado ratifica a imagem da Figura 1 mostrando a dificuldade de fazer uma vaca repetir cria quando o planejamento forrageiro não está adequado.

A partir desses dados identificamos que as pastagens de inverno não recebiam nenhum tipo de fertilização e com isso, apenas as terneiras e terneiros desmamados tinham acesso a essas áreas no inverno, o restante do rebanho permanecia em campo nativo. As vacas falhadas não eram descartadas, pois o índice de prenhes era baixo e não havia reposição suficiente caso fossem descartadas. E quase que a totalidade das terneiras nascidas ficava para reposição, descartando apenas um pequeno lote que não chegava ao desenvolvimento ideal. Com isso não havia seleção por reprodução.

Quais foram as ações realizadas a partir desse diagnóstico inicial: aumentamos a área de soja para 18% da propriedade, iniciamos um trabalho de fertilização das pastagens de inverno pós-soja aumentando com isso a capacidade de suporte. Assim, conseguimos utilizá-la com as terneiras e terneiros desmamados e com as novilhas de primeira cria.

Ao alocarmos mais animais em pastagens, as vacas prenhas tiveram uma maior oferta de forragem em campo nativo, o qual em algumas épocas do ano também são diferidos. E assim, conseguimos elevar os índices de prenhes, descartando as vacas falhadas, selecionando as melhores terneiras para a reprodução aos 2 anos de idade e aumentamos o número de matrizes em reprodução.

No gráfico da Figura 2 podemos ver o aumento no número de matrizes para 445 animais em reprodução e o aumento no percentual de prenhes que saiu de 64% e passou para 78% de prenhes, ou seja aumentamos em 58% a produção de terneiros na mesma área, passando de um desmame de 200 cabeças para um desmame de 348 terneiros.

O Segundo exemplo é o da Agropecuária Jaredo no município de Pedras Altas. Com uma área pastoril de aproximadamente 1000 ha com 38% com lavoura de soja/pastagens de inverno e o restante da propriedade com campos nativos com um alto grau de infestação de plantas indesejáveis. A composição do rebanho em 2021 era de 251 vacas de cria desmamando 157 terneiros. As pastagens de inverno pós lavoura de soja não eram fertilizadas tendo uma baixa capacidade de suporte e a parição das vacas estava concentrada na primavera sobre campo nativo.

Nossas metas iniciais em conjunto com o administrador da propriedade foram: fertilizar 100% da área de ILP, buscando o aumento da fertilidade e a adubação de sistemas, iniciar um controle das plantas indesejáveis no campo nativo com o uso do incorporador rotativo, trazer a parição das vacas para o inverno sobre as pastagens de aveia e azevém, diferir as áreas de campo nativo para receber o gado na primavera, e, com um bom planejamento forrageiro elevar o número de matrizes para 600 vacas, o que ainda está em evolução.

No gráfico abaixo (Figura 3), podemos ver o aumento no número de matrizes, saindo de 251 para 317 vacas de cria, o aumento na produção de terneiros, de 157 para 290 cabeças, com isso evoluindo de 63% em 2021 para 91% em 2024. Para atingirmos essa evolução, a partir do planejamento forrageiro, estivemos com todo o rebanho da propriedade em pastagens de inverno da ILP e ainda recebemos 450 cabeças com o objetivo de divisão de ganho de peso, buscando um melhor aproveitamento das áreas de inverno e aumentando a renda da propriedade enquanto não atingimos as metas de lotação.

Trazendo esses exemplos práticos buscamos mostrar o quanto podemos evoluir nos sistemas de cria quando aliamos o planejamento financeiro, reprodutivo/sanitário e forrageiro, ferramentas indispensáveis para a evolução da pecuária de cria no RS.

 

Cristiano Costalunga GotuzzoGEOPLAN – Soluções em Agronegócios.

Artigo publicado na edição 17 da Revista PecuariaSul.

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