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Manejo da Parição de Bovinos

Os problemas relacionados ao parto difícil (distócico) são bem conhecidos e recorrentes, entretanto, pouca ou nenhuma inovação tem sido adotada por parte dos produtores e veterinários a fim de prevenir as perdas e minimizar os prejuízos. O somatório das vacas e fetos que vem a óbito devido ao parto distócico é, muitas vezes, somado a outros fatores produtivos e econômicos, o divisor de águas entre o lucro e o prejuízo da atividade pecuária em uma fazenda.

O planejamento da parição e seu manejo são fundamentais. Esta primeira etapa inclui saber, através do diagnóstico de gestação, quais vacas irão parir no início, meio e final da estação de parição (formação de lotes homogêneos por idade gestacional) e, desta forma, buscar aproximar da sede aquelas “mais chegadas a parir”. Para isso, é fundamental o diferimento de piquetes próximos a sede, de preferência com pastagem cultivada ou campo nativo melhorado e monitorar a parição, pelo menos, duas vezes ao dia, inclusive aos finais de semana, a fim de intervir no parto distócico o mais rápido possível. Não raramente somos chamados para atendimento obstétrico em vacas que não conseguiram parir e o feto já se encontra morto, enfisematoso e com odor fétido, acarretando prognóstico reservado a desfavorável quanto a sobrevivência da vaca. Neste sentido, é crucial e estratégico o treinamento teórico-prático dos colaboradores rurais (peões e capatazes) por veterinários obstetras experientes, onde deverão aprender o que fazer e, ainda mais importante, “o que não fazer” no momento dos primeiros socorros a uma vaca com distocia. Temos nos deparado com animais mutilados frente a procedimentos absolutamente equivocados, provocados por “campeiros” que nunca receberam treinamento ou orientação de um profissional.

Equipamentos e materiais de consumo incluindo medicamentos para as vacas e neonatos devem ser adquiridos com antecedência ao primeiro parto da temporada. Dentre os equipamentos, os mais importantes são o fórceps, um par de correntes obstétricas com puxadores, levantador de vacas e sonda esofágica para hidratação oral com Drench (descrito mais adiante).

Quanto aos medicamentos, as velas uterinas Ginovet® (Vetnil), ocitocina, antibiótico de longo espectro e anti-inflamatório não esteroidal são básicos para o tratamento das vacas após o parto distócico.

Para os neonatos, devem estar disponíveis o iodo a 10% ou produtos comerciais como o Umbicura® para a cura e secagem do umbigo, bem como a Doramectina para evitar a miíase (bicheira) no umbigo que pode levar a onfaloflebite e poliartrite, culminando em óbito. Os equipamentos para os neonatos incluem mamadeira com chupeta e sonda esofágica, termômetro, o removedor de muco nasal/bucal, colostrômetro ou colostro balls para aferição da qualidade do colostro, lâmpada infravermelho, manta e soprador térmico para o aquecimento do neonato. Não obstante, ter o contato de um ou mais obstetras experientes também faz parte do planejamento, pois é importante para o pronto atendimento daqueles partos distócicos mais complexos.

A maioria das distocias em vacas são passíveis de solução, estando o feto vivo ou morto, com manobras obstétricas, lubrificação do canal do parto com produto específico e tração na medida certa. Com menor frequência, quando não é possível corrigir a estática fetal (maneira que o feto se encontra no canal do parto) ou há desproporção feto-pélvica, ou seja, abertura insuficiente do canal do parto, a cesariana será indicada, devendo o obstetra optar pela via paramamária (abaixo da virilha esquerda) ou acesso pelo flanco esquerdo, caso a caso. O prognóstico quanto a sobrevivência da vaca e do neonato está na dependência do tempo decorrido desde o início da distocia (passado o tempo normal para o parto) e a chegada do obstetra para o atendimento, quanto mais rápido, melhor.

A categoria de novilhas, especialmente aquelas que vão parir aos dois anos de idade, tem apresentado maior distocia pelos motivos óbvios, motivando muitos produtores a voltar ao primeiro acasalamento aos dois anos de idade. A recria deficiente do ponto de vista nutricional no primeiro inverno (entre o desmame e o sobreano) tem originado animais leves e subdesenvolvidos, que apesar de atingirem a puberdade e tornarem-se prenhes precocemente entre os 12 e 14 meses, não atingem o seu potencial máximo de crescimento corporal e produção leiteira, resultando em um terneiro leve e menor desempenho reprodutivo futuro deste ventre.

Neonatos oriundos de inseminação artificial em tempo fixo (IATF) a partir de touros sem histórico de peso médio ao nascimento da sua progênie, ocasionalmente é um fator de risco para distocia. Da mesma forma, os neonatos nascidos a partir da fertilização in vitro (FIV) costumam nascer maiores e mais pesados em relação à média da raça. A escolha do sêmen de touros com DEP negativa para peso ao nascer da sua progênie é uma alternativa relativamente segura para minimizar a casuística de partos distócicos. Outro problema recorrente tem sido o tempo prolongado da gestação de vacas receptoras de embriões oriundos da FIV.

A consequência disso é o maior peso ao nascer destes fetos, ocasionando distocia. Frequentemente nascem fetos com peso vivo entre 45 e 63kg ou mais. Uma alternativa que tem sido adotada com sucesso é a indução hormonal do parto destas vacas receptoras, o qual tende a ocorrer entre 36 e 48 horas mais tarde.

Este manejo ainda tem a vantagem de permitir ao pecuarista, peões e veterinário programarem-se para uma intensificação na observação dos partos neste curto intervalo de tempo e agir com rapidez quando detectada a distocia, aumentando as chances de sobrevivência da vaca e do feto.

Importantíssimo também é a formação de banco de colostro refrigerado e/ou congelado na propriedade. Uma pesquisa em andamento pelo nosso setor (Repropampa) está apontando que 82,6% das propriedades de gado de corte no sistema de cria não têm banco de colostro. Se a vaca morre ao parto ou rejeita o neonato, ele não irá mamar o colostro, o que é uma sentença de morte. O colostro é o leite que o neonato mama no primeiro dia de vida. Ele apresenta maior consistência, sólidos totais e, principalmente, imunoglobulinas as quais são “as vacinas” ou anticorpos que vão proteger este neonato contra os microrganismos do ambiente nos seus primeiros meses de vida. A qualidade do colostro pode ser aferida de forma simples, fácil, rápida e de baixo custo através de colostrômetro ou do colostro balls, podendo ainda ser utilizado o refratômetro de brix. São equipamentos duráveis e fáceis de serem aferidos mesmo por pessoas com pouca ou nenhuma escolarização.

O armazenamento do colostro pode ser sob refrigeração a 4ºC por até cinco dias ou congelado em freezer a -20ºC por seis meses a um ano. O descongelamento dever ser lento em banho maria a 45ºC (no máximo) e não em temperaturas mais elevadas, a fim de evitar a desnaturação das proteínas e imunoglobulinas.

O neonato deverá mamar pelo menos 10% do seu peso vivo em até 4 horas após o nascimento e mais 5 a 10% nas horas subsequentes. A absorção intestinal das imunoglobulinas do colostro diminui à medida que transcorrem as horas após o parto, diminuindo rapidamente após 12 horas e encerrando-se a partir das 24 horas do parto, ou seja, após este período, do ponto de vista da proteção do colostro, não adianta mais o neonato mamar o colostro.

Terneiros leves oriundos de partos distócicos e aqueles encarangados pelo frio e/ou chuva por vezes não apresentam o reflexo de sucção no teto da vaca ou mamadeira, devendo ter o esôfago sondado pela via oral para garantir o fornecimento do colostro. Este procedimento é simples, requer apenas treinamento. O aquecimento prévio do neonato com soprador térmico, luz infravermelho e o uso de capa protetora contra o frio ajudam no controle térmico e no início do reflexo de sucção, permitindo, por vezes, substituir a sonda esofágica pela mamadeira.

Já está disponível comercialmente o colostro artificial em pó (liofilizado), onde basta adicionar água na embalagem, agitar e fornecer via mamadeira ou sonda. A sua eficácia quanto a proteção imunológica do neonato ainda é tema de amplo debate técnico. O método mais prático e barato é formar o banco de colostro congelado na propriedade a partir de vacas maduras, saudáveis e com boa produção leiteira.

A síndrome da vaca caída é outro problema recorrente relacionado ao parto distócico. Sua causa pode ser desde a carência de cálcio, fósforo ou magnésio na dieta da vaca até a lesão dos nervos pélvicos, como o isquiático e obturador, na tração exagerada e nos casos de fetos muito grandes e pesados ao parto.

Nos casos de carência mineral a reposição destes via endovenosa ou via oral através do Drench comercial tente a resolver o problema. Entretanto, nos casos de lesão nervosa, a recuperação dependerá não apenas da medicação, mas também do auxílio contínuo de enfermagem para levantar a vaca algumas vezes ao dia, a fim de evitar a compressão das mãos e patas a partir do peso do animal e a gradual perda de sensibilidade (isquemia) nas extremidades, muitas vezes irreversível. O Instituto Nacional de Investigación Agropecuaria (INIA) do Uruguai desenvolveu na unidade de leite La Estanzuela um equipamento denominado “levanta vacas” (cartilla 8) que permite levantar a vaca caída, servindo inclusive como andador, sem necessidade de acoplar em trator, o que demonstrou ser muito útil na recuperação de animais nesta condição.

O Drench (muito usado em gado leiteiro), por sua vez, é um preparado liofilizado (em pó) contendo macro e microminerais, vitaminas, aminoácidos e fontes de energia que geralmente é diluído em 30 litros de água e oferecido a vaca para consumo (bebida) voluntário. Algumas marcas de Drench são palatáveis e outras não. Neste último caso, ele deve ser fornecido para a vaca pela via oral, com o uso de sonda esofágica, cuidando para evitar a falsa via para os pulmões. Com ele, consegue-se propiciar rápida hidratação e reposição de elementos nutricionais essenciais no pós-parto imediato, com rapidez e baixo custo, uma vez que 1kg de Drench custa cerca de R$50,00.

O uso de velas uterinas de tetraciclina (Ginovet®, Vetnil) e o correto manejo da placenta (evitando a sua remoção forçada e a sua retenção) com medicamentos específicos previnem a metrite séptica pós-parto que é a doença mais grave desta fase e que pode, inclusive, levar a vaca a óbito ou a infertilidade.

A aferição da temperatura retal tanto da vaca quanto do neonato é fundamental para o controle da saúde geral destes animais e serve como alerta nos casos em que se encontra muito abaixo ou acima daquela considerada normal.

Por fim, devemos fazer a nossa parte agindo de forma a evitar os fatores sabidamente causadores de distocia e que são parcialmente evitáveis, como por exemplo a seleção dos ventres que vão entrar para reprodução, a escolha do sêmen, a nutrição no terço final da gestação, a aquisição dos materiais e medicamentos necessários, o monitoramento da parição e o treinamento da mão de obra. Da mesma forma, devemos estar preparados para atuar rapidamente sobre os fatores que não controlamos e que provocam distocia como a estática fetal incorreta, a dilatação insuficiente do canal do parto, a limitada habilidade materna (das novilhas), o clima, etc.

O CTPEC, através do Repropampa, tem disponibilizado treinamento teórico-prático para colaboradores rurais em manejo da parição de bovinos na Unipampa e em fazendas da região sob demanda. Da mesma forma temos realizado frequentes atendimentos obstétricos com sucesso através de manobras obstétricas, sendo poucas as situações elegíveis para cesariana. A escolha do profissional veterinário obstetra é muito importante no planejamento da temporada de parição, bem como no suporte e atendimento aos casos de distocia, reduzindo óbitos e descarte de animais e solucionando os casos da forma menos cruenta possível.

Caderno CTPEC publicado na edição 20 da Revista PecuariaSul
Prof. Guilherme de Medeiros Bastos – Docente do curso de Medicina Veterinária da Unipampa; Coordenador do Laboratório de Reprodução e Obstetrícia Veterinária – Repropampa; Campus Uruguaiana – RS.
Cássio Zorzo do Amaral – Aluno de graduação em Med. Veterinária da Unipampa, Campus Uruguaiana – RS; estagiário do Repropampa.
Muryan Figueiredo Scherer – Aluno de graduação em Med. Veterinária da Unipampa, Campus Uruguaiana – RS; estagiário do Repropampa.